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    Fique por Dentro

    10 de julho de 2024

    Rivais cooperando? A possível atuação dos distritos industriais na inovação


    Você provavelmente já deve ter ouvido falar que a cooperação é um dos principais lemas da inovação. De fato, expressões como brainstorm e design thinking se tornaram mais rotineiras na cultura das empresas e envolvem aspectos como a superação de desafios ea proposição de soluções inovadoras. Todas essas características perpassam a ideia da colaboração como um aspecto crucial para a superação desses desafios, seja como consequência do compartilhamento de ideias, seja com base no próprio desenvolvimento cocriado e coletivo dessas situações.

    A localidade geográfica em um mundo cada vez mais globalizado pode parecer, a uma primeira vista, de menor importância para pressupor um compartilhamento de ideias, mas ela ainda se mostra fundamental, por sublinhar hábitos, necessidades e particularidades das localidades. Esses três aspectos fundamentam um ambiente no qual os agentes interagem e se comunicam mais, compartilhando barreiras de crescimento, contato de fornecedores e ideias de negócio [1]. Um caráter que reforça isso é a importância da determinação da localização dos centros de P&D em acordos de joint ventures e transferências tecnológicas. Nesse sentido, os distritos industriais mostram-se como uma das alternativas dentre os benchmarks de inovação ao explorar esse aspecto, mesmo no caso em que as empresas competem entre si.

    O que são esses distritos industriais? De forma simplificada, são conjuntos de empresas localizadas em uma determinada área geográfica concentrada, com relativa homogeneidade setorial e por via de regra subjacente a uma governança para a produção de um foco específico. Em geral, essas regiões atuam sob logística facilitada e maior integração das diferentes etapas da cadeia para a produção (a montante, principal e a jusante) [2]. Tais regiões podem ou não incorrer em incentivos fiscais e costumam apresentar boa interligação com o setor público para a formação de capital humano.

    Um dos principais cases em inovação do mundo são os Distritos Industriais de Bens de Capital de Baden-Württemberg (B-W), no sul da Alemanha. Com foco nos setores de Máquinas e Equipamentos, a região de B-W promulgou a cooperação tecnológica de eventuais competidores. Como? Baseado em mecanismos de coordenação para evitar a competição entre membros do próprio grupo. Essa estratégia envolveu uma delimitação de tecnologias e mercados nos quais as empresas poderiam atuar em troca de um vasto esforço em P&D e inovação para a concepção de tecnologias de processos e desenvolvimento de produtos. A iniciativa promoveu uma vasta rede de fornecedores em esquemas colaborativos, vide a existência de interdependência entre as firmas do distrito industrial em questão [3].

    De forma mais abrangente, esses mecanismos de coordenação para que empresas potencialmente competidoras cooperem podem ser classificados em três pilares: i) as regras de cautela; ii) as regras de prudência ou de interação; e iii) as sanções. Esses pilares organizam um ambiente institucional claro e transparente, fomenta uma coparticipação entre os agentes para otimizar os respectivos aparatos institucionais e ganhos de mercado, além de sublinhar garantias jurídicas de que as firmas competirão em grau de igualdade [4].

    A interdependência demanda avanços em esforços colaborativos para difusão da inovação, com o objetivo de atendimento especializado para as demandas de um leque variado de clientes. Assim, a promoção de práticas para uma uniformidade tecnológica contribui para um aproveitamento mais igualitário das oportunidades de mercado e de inovação. Além disso, a atuação do estado é crucial para a garantia de um ambiente propício à inovação, seja com base em marcos regulatórios, encomendas tecnológicas, formação de capital humano ou articulação entre o setor público e privado para P&D. Por fim, distritos industriais com maior esforço de exportação apresentaram ganhos relevantes de competitividade e valor adicionado [5]. 

    A inovação ocorre em meio a um futuro incerto. Por mais convicto que esteja, o empresário não tem a certeza de que uma nova ideia conseguirá ser tecnicamente desenvolvida, de que o mercado vai encarar como útil aquela usabilidade ou mesmo de que os insumos para aquela construção não tornarão o preço de desenvolvimento proibitivo para o seu consumo. Os distritos industriais indicam a criação de um ambiente no qual a colaboração possa ser uma das formas de redução desse risco, potencializando a competitividade das empresas em cocriar, inovar e se desenvolver. Além do mais, a literatura explicita os requisitos de uma governança articulada, de forma a fomentar um ambiente institucional com regras definidas, políticas de uniformidade tecnológica, articulação com o setor público para demanda tecnológica e capital humano, bem como uma política industrial – em nível regional e nacional – bem desenhada.

    Nesse sentido, o Observatório da Indústria do Ceará, em 2020, desenvolveu o estudo Estratégias para o Desenvolvimento dos Clusters do Ceará – Distrito Industrial de Maracanaú [6]. Nele foram identificados eixos setoriais para o adensamento das cadeias produtivas, além do destaque à importância do desenho governamental na articulação das empresas dentro do distrito. As recomendações presentes no documento dialogam acerca de recomendações urbanísticas e de governança, em prol do desenvolvimento regional competitivo e inovador. Cooperar e competir podem não ser necessariamente excludentes.

    David Guimarães,

    Especialista em Inteligência Competitiva do Observatório da Indústria do Ceará.

    [1] FREEMAN, C. The ‘National System of Innovation’ in historical perspective. Cambridge Journal of economics, v. 19, n. 1, p. 5-24, 1995.

    [2] CASSANEGO JUNIOR, P. V. Governance in business clusters: proposal for an application of an analytical model. Entrepreneurship & Regional Development, v. 31, n. 9-10, p. 984-1010, 2019.

    [3] GALVAO, O. J. A. ‘Clusters’ e distritos industriais: estudos de casos em países selecionados e implicações de política. Planejamento e Políticas Públicas (IPEA), Brasília, DF, v. 21, p. 03-49, 2000. Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/4025/1/PPP_n21_Clusters.pdf.

    [4] BRUSCO, S. The rules of the game in industrial districts. In: GRANDORI, A. Interfirm networks: organization and industrial competitiveness. London: Routledge, 1999.

    [5] DE MARCHI, V.; DI MARIA, E.; GEREFFI, G. Industrial districts, clusters and global value chains: toward an integrated framework. In: DE MARCHI, V.; DI MARIA, E.; GEREFFI, G. (Eds.). Local clusters in global value chains: linking actors and territories through manufacturing and innovation (pp. 1-18). London: Routledge, 2018.

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