Muitos elementos do cotidiano nos parecem naturais, ou ainda acidentais, coincidências que se alinham aos nossos interesses e impulsos, não é verdade? Mas e se na realidade esses acidentes apresentam intencionalidade na sua estruturação e visam alcançar objetivos específicos na sociedade e no mercado?
No contexto das tomadas de decisão, Nudge e Arquitetura de Escolha são dois conceitos destacados pela economia comportamental que nos ajudam a compreender melhor o cenário descrito. Nudge, compreendido de forma denotativa como um “empurrãozinho”, refere-se a intervenções sutis destinadas a direcionar decisões, alterando o contexto em que alguém está inserido para promover uma escolha específica. Enquadram-se como esses “empurrõezinhos”as sugestões, os feedbacks, os pôsteres em um ambiente, as notificações e muitas outras variações similares[1].
De forma complementar, para que o nudge tenha o efeito esperado, há um papel relevante da Arquitetura de Escolha. Essa arquitetura envolve a organização do ambiente para estruturar uma trajetória específica da tomada de decisão, tornando, por exemplo, certas opções mais visíveis e acessíveis para o público-alvo e se utilizando de nossos vieses cognitivos. O intuito nesse cenário é que o arquiteto de escolha consiga construir um contexto que favoreça determinados comportamentos, tornando atrativa a escolha desejada, ainda que mantendo a autonomia e a liberdade de escolha do tomador de decisão[2].
Uma simples alteração na disposição dos pratos em um restaurante pode tornar uma refeição, mesmo que mais cara, porém saudável, a opção mais óbvia; ou a disposição de produtos em um supermercado perto do caixa pode levar à compra de um pequeno e inofensivo chocolate – “Melhor aproveitar já que estamos aqui!”. Outros exemplos incluem a configuração padrão de uma rede social, que, com a passagem automática de vídeos, nos mantém entretidos enquanto a noite de repente se torna o meio da madrugada, ou ainda a forma como somos ameaçados, via notificações e e-mails, por um passarinho que quer muito que a gente aprenda japonês.
Nudge e Arquitetura de Escolha são, portanto, influentes ferramentas no cenário contemporâneo de tomada de decisão, moldando comportamentos individuais e coletivos. Não obstante, apesar das potencialidades do seu uso para o mercado e a sociedade, desafios éticos devem ser compreendidos e levados em consideração[1].
Não há, portanto, uma disposição neutra de elementos na sociedade, afinal nosso comportamento é influenciado pela forma como o mundo se apresenta[2]. No entanto, embora nossas decisões sofram influência da forma como as informações são apresentadas, elas também interagem com as preferências e afinidades de cada pessoa e o processamento “intuitivo” de julgamento[3].
De forma muito bem-sucedida, a estruturação de contextos que podem incentivar comportamentos de interesse é utilizada internacionalmente por segmentos, como o marketing,que focam o comportamento consumidor. Mas outras aplicações também podem ser visualizadas, como no ambiente laboral, de forma que arquitetos de escolha possam estimular a inovação e a colaboração nesses contextos. As áreas comuns, a disposição de mesas e uma estética que impacte e facilite a criatividade e a resolução de problemas são elementos cotidianos que, de forma sutil e orgânica, podem influenciar a convivência dos colaboradores e a performance das empresas.
Na educação, a incorporação de soluções digitais nos ambientes ou um designque facilite processos de aprendizagem e a promoção de bem-estar nos estudantes são fatores que também podem ser modelados por essa tecnologia. Seja na disposição de espaços verdes, na estética de transportes públicos, no branding de marcas ou na intencionalidade do planejamento urbano em prol de um desenvolvimento sustentável e inclusivo, ferramentas comportamentais podem apresentar elevada amplitude de aplicação e benefícios para a sociedade, o meio ambiente e a economia do país.
Por mais espontâneos que pareçamos, nossa jornada de escolhas cotidianas é, por vezes, intencionalmente delineada. E, quando essa arquitetura de escolha vai além do empurrãozinho, quando extrapolamos para decisões mais complexas, até que ponto essa influência, da qual podemos nos dar conta ou não, é de fato inofensiva?
A eficácia e o impacto dessas estratégias dependem da compreensão cuidadosa do público-alvo e da sua implementação ética e responsável. Para tanto, destacam-se a relevância de pesquisas nas temáticas de interesse, um estudo cauteloso do contexto social em que essa arquitetura seria implementada, a influência de como estruturamos um conteúdo para nossa audiência e uma avaliação da projeção dos impactos dessas intervenções, assim como um cuidadoso monitoramento.
Ambos os conceitos são ferramentas comportamentais que, quando aplicadas com responsabilidade social, podem ser eficazes para promover mudanças positivas, seja em pequena ou larga escala, como comportamentos mais sustentáveis e inclusivos por meio de políticas públicas, ou ainda uma melhora significativa no posicionamento de mercado de uma empresa. No cenário brasileiro, pensar na utilização dessas ferramentas é uma conduta estratégica para o país, visando fomentar o uso de práticas baseadas em evidências em diversas esferas.
Especificamente no Observatório da Indústria, pesquisas prospectivas e de inteligência competitiva são amplamente desenvolvidas, representando estudos de base para o direcionamento mais assertivo e aderente a distintos objetivos e públicos-alvo. Compreendemos que entender e atuar com tais princípios de forma ética e com responsabilidade pode impulsionar a promoção da sustentabilidade, viabilizar políticas de diversidade e inclusão e potencializar cada vez mais o desenvolvimento socioeconômico.
Mariana Biermann
Especialista em Prospectiva e Cooperação Estratégica
[1] Vries, M. S.; Nemec, J. & Junjan, V. (2020). The Choice-Architecture behind Policy Designs: An Introduction to this Volume. The Choice-Architecture behind Policy Designs, 11-19.
[2] Thaler, R. H. & Sunstein, C. R. (2009). Nudge: Improving decisions about health, wealth, and happiness. Penguin.
[3] Tversky, A. & Kahneman, D. (1974). Judgment under Uncertainty: Heuristics and Biases: Biases in judgments reveal some heuristics of thinking under uncertainty. Science, 185(4.157), 1.124-1.131.